Para Dona Emma, Dona Adélia e Dona Ana Dulce

Existem tristezas e lágrimas

Que são evitáveis

De certo modo até

Escolhidas.

Outras são abismos:

Saber que o tempo é infinito,

Mas, para os humanos,

Ele acaba…

Para mim e para os meus

(Que é tudo o que eu reconheço

De belo e cheio de sentido e vida)

O fato é que vai acabar.

Eu penso nas gerações

O neto   a neta

O pai     a mãe

O avô    a avó

É tanto tanto tanto amor

E o tempo implacavável

Vai separar

Vai criar o abismo.

E só de pensar… só de saber…

Já dói.

A neta e a avó

Tem pouco tempo

Para trocarem tudo o que podem

Para se conhecerem

Para conviverem.

A natureza é tão dura

e tão bela.

A guerreira que não se cansa

Sua cria ela defende com justiça

A sabedoria que traz

Não é ostentada,

O preço da luta

Não é calculável.

A urgência começa a urgir

O tempo se esgota

O mundo ainda precisa dela

E ela ainda quer lutar.

Dentro dela a vida reluz

Como brilho de diamante.

A proximidade da morte

A faz amar ainda mais a vida

E olhar para tudo com carinho

E gratidão, com cuidado

Com saudade.

Eu olho para ela,

Eu tenho pouco tempo

Para aprender tudo

Para conhecê-la

Para dizer a ela que a amo

E que vou continuar sua obra!

Dona Lúcia

As histórias daqueles que não foram famosos, celebridades, lideranças, daqueles que trabalharam e só trabalharam, que criaram seus filhos com sacrifício, essas histórias, se não forem escritas ou gravadas, serão esquecidas?

A vida cotidiana sem muito brilho e oportunidades para homenagens e solenidades , as vidas das milhões de pessoas que todo dia levantam cedo e vão trabalhar para mover este sistema, essas vidas acabarão e um dia será como se nunca tivessem existido?

Minha mãe, meu pai, minha avó, D. Lúcia, D. Adélia… quem vai registrar essas histórias? Ou será que faz parte dessa vida passarmos, assim, sem marcas, como um rio suavemente corre em seu leito, e só o trabalho de muitos, como o volume de água do rio, é que traz as transformações?

Por medo de esquecer, em homenagem à D. Lúcia, vou deixar escrito algumas coisas que sei dela:

– era camponesa, japonesa, só sabia escrever e ler em japonês, era órfã e foi criada pelo seu tio, trabalhou desde criança, teve dois filhos e seis netos. Era justa, simples, guardava tudo com cuidado porque sabia o que era a falta. Sabia costurar, era ótima de conversa, tinha boa memória. Dizia Prudente Prudente em vez de Presidente Prudente, tinha pouca vaidade mas estava sempre muito limpinha e penteada. Quando mais nova fazia permanente. Nunca a ouvi levantar a voz. Agradecia a cada refeição – obrigada!

Por enquanto me lembro de muitas coisas, não vou escrever tudo porque daria um livro. Espero não me esquecer!

D. Lúcia era minha amiga, e quem disse isso foi ela! Eu concordei!

Rio de Janeiro – 15/10/13

Mesinhas na praia… uma mesa só de mulheres ao nosso lado faz escândalo pra chamar o garçon. Ele vem e a menina morena de cabelos cacheados e soltos, no seu sotaque carioca mais caprichado, pergunta:

–  Você tem facebook?

A mulher mais velha diz:

– Era isso que a gente queria pedir, moço, o seu facebook.

Burburinho, as mulheres começam a falar entre si, de repente salta a voz da morena mais interessada:

– Você tem namorada?

O menino garçon estava num misto de timidez e êxtase. Não sabia que cara fazer, mas sua alegria mal podia ficar contida no seu corpo ali parado.

As meninas se apresentaram, eram todas da mesma família, a mais velha era tia ou mãe de quase todas. O menino se apresentou: “sou o dono do bar”. E convidou-as para voltarem mais vezes. Elas, sem titubear, avisam:

– Olha que a gente volta mesmo!

– É ruim da gente não voltar…

Eu e o Cadu, na mesa ao lado, temos que esperar o desfecho da história para conseguirmos pedir nossa cerveja.

A mulher mais velha se aproxima carinhosamente do garoto e diz:

– Quando a gente voltar, meu marido gosta de trazer o isoporzinho dele. Tudo bem deixar aqui?

O menino diz que sim, mas que tem que consumir alguma coisa.

Ela emenda:

– Então tá, quando a gente vier, a gente fala com você!

… Tudo resolvido, todos felizes! A menina fez seu contato, a mulher garantiu o isopor do marido, o garçon ganhou popularidade! Eu e o Cadu chamamos, então, o garçon. Até então estávamos esperando e acompanhando o empoderamento desse grupo de mulheres. O garçon não ligou para nós… depois dessa, não seria tão fácil conseguir a atenção dele.

Besta romântica

Tenho andado meio besta

Quase apaixonada.

Vejo pessoas no metrô

Aquele moço combina tanto

Com aquela menina.

Estão ali, tão próximos e tão distantes

Um passo para trás

Um pisão no pé do outro

E um milagre.

Tanto amor em potência

Casais, amigos, parceiros latentes.

Ando meio besta

Molinho molinho

Está o meu coração.

Machuca ele não…

2, 4 ,8, 12…

EU TENHO DOIS ROSTOS

TENHO QUATRO, OITO, DOZE ROSTOS

A MAIOR PARTE DO TEMPO

EU NÃO SEI QUE CARA TENHO

.

QUANDO INVENTO ME SAI DO AVESSO

SE RELAXO, SAI ESCRACHO

NÃO PLANEJO, NÃO CONTROLO

QUAL DOS MEUS ROSTOS

ESTÁ A POSTOS

.

VOLTO TARDE DOS DEVANEIOS

OS OLHOS ESBUGALHADOS

A BOCA TENSA

QUE CARA TENHO

QUANDO OLHO PRA DENTRO?

Dog camarada

Eu acabei ficando amiga de um cachorrinho aqui do meu quarteirão. Ele fica preso na laje de um semi-prédio, um lugar que compra materiais de reciclagem. Ele fica latindo, não a tarde toda como aqueles cachorros histéricos, mas ele parece chamar os amigos de tempos em tempos. Eu o vejo pela janela da lavanderia, que também dá para os fundos do prédio fru-fru do Instituto dos Arquitetos do Brasil (IAB). Na verdade ele não é fru-fru, ele é um prédio até antigo e bem bonito, mas o que rola ali é trabalho, e entre pessoas com camisas pólo e o pequinês da loja que compra latinhas, eu fico com o dog. Fico? Hoje mesmo eu feri seu coração.

Esqueci de mencionar que há algum tempo a gente vem conversando. Primeiro eu tentei latir de volta para ele, mas como eu não sei latir certo, ele parecia irritado comigo (como se eu inventasse um gramelô de alguma língua e achasse que poderia realmente me comunicar dessa forma com alguém que fala de verdade essa língua). Nessa época o dog tinha um amigo, mas ele já não está mais…

Comecei a assobiar, parecia mais digno. Ele late, eu assobio, e assim trocamos alguns cumprimentos pelas tardes vazias.

Hoje mesmo, estávamos num papo quando os arquitetos de camisa pólo nos viram. Eles ficaram olhando e eu fiquei sem graça, estava mesmo me abrindo para o dog. Parei de assobiar. O dog continuou puxando assunto, mas eu não respondia. Ele dava mais uns latidinhos e parava. Eu quieta, esperando os arquitetos saírem da janela. Quando fui assobiar de volta o dog já estava entretido num papo com uma pomba que passava por ali.

Esquadrilha da fumaça – Marcha da Maconha 23.05.15

Marcha / Dança da Maconha


Ei, polícia, maconha é uma delicia!

Ei, maconha, polícia é uma vergonha!

Ei, delícia, maconha pra polícia!


Marcha em 5 fumaças:

Fumaça 1 – maconha.

Fumaça 2 – fumaça dos sinalizadores verdes.

Fumaça 3 – escapamento da kombi que carregava a banda.

Fumaça 4 – churrasquinho ambulante junto da marcha.

Fumaça 5 – Maldito Palo Santo.


A marcha e a dança. Qual a diferença?


A marcha é em tempo de 2. 1. 2. Um passo, outro passo.O quadril preparado para apenas permanecer sobre as pernas. Caminha: 1,2.

A dança vem do caminhar com suíngue. Vem do ritmo que toca para fazer das ruas carnaval, e não passagem de tropa.

O que acontece entre o 1 e o 2 é um universo! Um universo de coisas que o quadril pode fazer, e os ombros, os braços, mãos, a cabeça, o olhar…

Ode ao feijão

Aquilo que se dispõe a dar-se por inteiro

Que sua natureza e função

são a base

a terra

a força da força

–       o toque do surdo

–       o ronco do motor

–       o abraço bem apertado

Merece ser cantado!

Vai da dureza extrema

A um cremoso caldo

Empanturra de sabor

Acompanha o melhor acompanhamento…

O arroz.

O feijão merece ser tema de carnaval todo ano.

Ele é como eu, como nós

Brasileiro, caipira, italiano,

mexicano, japonês, colombiano,

nordestino, mineiro, carioca, paulista…

Eu agora penso nele

Com meu coração e meu estômago

Meus braços e pernas

Anseiam por feijão.

Minhas mãos escrevem sobre ti, meu querido.

Minha mandíbula te deseja.