INGRITOS NO METRÔ

O metrô de dia de semana, mais claramente de manhã cedo, tem um silêncio de morte. A massa taciturna e ensimesmada segue seu trilho, sua trilha de gado com a cabeça baixa e a boca cerrada.

De sábado é outra história, outro som. As pessoas animadas, acompanhadas de família, amigues, etc, falam alto, riem, gesticulam.

Não há rebanho aos sábados, mesmo tendo bastante gente no metrô.

No sábado há vida porque as pessoas retomam suas vozes, seus sorrisos, suas vidas.

Essa discrepância entre os dias de semana, que representam a morte, o suicídio cotidiano, e o fim de semana, que é o pouco tempo que temos para tentarmos ser nós mesmas, essa contradição não pode ser ignorada, naturalizada.

O som e a atitude das pessoas no metrô são muito sintomáticos da vida tal como está organizada, e das nossas grades invisíveis. A morte vaza pelos buracos dos corpos, o banho pela manhã, a roupa limpa com cheiro de amaciante, o desodorante, nada consegue disfarçar o cheiro da morte que as pessoas emanam com seu silêncio, com os gritos para dentro. Ingritos. 

Para Dona Emma, Dona Adélia e Dona Ana Dulce

Existem tristezas e lágrimas

Que são evitáveis

De certo modo até

Escolhidas.

Outras são abismos:

Saber que o tempo é infinito,

Mas, para os humanos,

Ele acaba…

Para mim e para os meus

(Que é tudo o que eu reconheço

De belo e cheio de sentido e vida)

O fato é que vai acabar.

Eu penso nas gerações

O neto   a neta

O pai     a mãe

O avô    a avó

É tanto tanto tanto amor

E o tempo implacavável

Vai separar

Vai criar o abismo.

E só de pensar… só de saber…

Já dói.

A neta e a avó

Tem pouco tempo

Para trocarem tudo o que podem

Para se conhecerem

Para conviverem.

A natureza é tão dura

e tão bela.

A guerreira que não se cansa

Sua cria ela defende com justiça

A sabedoria que traz

Não é ostentada,

O preço da luta

Não é calculável.

A urgência começa a urgir

O tempo se esgota

O mundo ainda precisa dela

E ela ainda quer lutar.

Dentro dela a vida reluz

Como brilho de diamante.

A proximidade da morte

A faz amar ainda mais a vida

E olhar para tudo com carinho

E gratidão, com cuidado

Com saudade.

Eu olho para ela,

Eu tenho pouco tempo

Para aprender tudo

Para conhecê-la

Para dizer a ela que a amo

E que vou continuar sua obra!

Dona Lúcia

As histórias daqueles que não foram famosos, celebridades, lideranças, daqueles que trabalharam e só trabalharam, que criaram seus filhos com sacrifício, essas histórias, se não forem escritas ou gravadas, serão esquecidas?

A vida cotidiana sem muito brilho e oportunidades para homenagens e solenidades , as vidas das milhões de pessoas que todo dia levantam cedo e vão trabalhar para mover este sistema, essas vidas acabarão e um dia será como se nunca tivessem existido?

Minha mãe, meu pai, minha avó, D. Lúcia, D. Adélia… quem vai registrar essas histórias? Ou será que faz parte dessa vida passarmos, assim, sem marcas, como um rio suavemente corre em seu leito, e só o trabalho de muitos, como o volume de água do rio, é que traz as transformações?

Por medo de esquecer, em homenagem à D. Lúcia, vou deixar escrito algumas coisas que sei dela:

– era camponesa, japonesa, só sabia escrever e ler em japonês, era órfã e foi criada pelo seu tio, trabalhou desde criança, teve dois filhos e seis netos. Era justa, simples, guardava tudo com cuidado porque sabia o que era a falta. Sabia costurar, era ótima de conversa, tinha boa memória. Dizia Prudente Prudente em vez de Presidente Prudente, tinha pouca vaidade mas estava sempre muito limpinha e penteada. Quando mais nova fazia permanente. Nunca a ouvi levantar a voz. Agradecia a cada refeição – obrigada!

Por enquanto me lembro de muitas coisas, não vou escrever tudo porque daria um livro. Espero não me esquecer!

D. Lúcia era minha amiga, e quem disse isso foi ela! Eu concordei!