Se a vida te der uma pimenta…

Estava eu caminhando ali na região da zona cerealista e tinha em mãos uma sacola com pimentas frescas que havia comprado há pouco. Uma criança, um menino de uns 6 anos se aproxima e pede esmolas. Eu não tinha nada para dar, por isso, tristemente, neguei. Ele, então, me pede uma pimenta. Fiquei animada de poder dar a ele alguma coisa, e enquanto eu pego uma pimenta dentro da sacola pergunto a ele o que vai fazer com a pimenta, e ele responde: vou plantar!

Métodos populares de persuasão

Dia desses eu fui no postinho de saúde aqui perto de casa, e, como a espera é grande, observei as pessoas desse país muito louco chamado Brasil.

Uma senhora é chamada ao guichê e tenta marcar consulta com o dentista. A atendente afirma que não tem horários e nem sequer previsão de abertura de nova agenda, ou seja, nada de dentista.

A senhora, então, afirma que é paciente do dentista e do postinho há anos, que fez tratamento dentário ali (nesse momento ela tira a máscara e mostra os dentes pra atendente). Ela diz também que aquele é o melhor postinho que ela já foi, que ele é ótimo mesmo, que tem muitos postinhos mas aquele é o melhor. Nisso passa uma outra senhora que, escutando a conversa, endossa a fala da primeira senhora dizendo que o que ela diz é verdade.

A atendente faz lá seu trabalho, e enquanto ela busca alernativas a senhora continua seus elogios à unidade básica de saúde do bairro. Então a atendente entrega um papel à senhora e diz para ela ir ao corredor à direita. A senhora, sem entender se tinha conseguido ou não sua consulta no dentista, pergunta: “e a consulta?”. A atendente responde: “é agora mesmo, senhora, pode ir lá.”

Método de persuasão devidamente anotado pela observadora.

Quem descobriu o Brasil?

Essa cena aconteceu hoje. Eu a presenciei e juro que é tudo verdade.

Estavam em frente à biblioteca Mário de Andrade uma mulher em situação de rua dormindo e algumas mulheres tentando acordá-la para dar a ela uma sacola com alguma coisa dentro que parecia uma marmita.

A moça que dormia era negra.

As moças que doavam, brancas.

Depois de algumas tentativas de acordar a moça que dormia, deixaram a sacola e já iam partir quando, de sopetão, a moça acordou e lançou, energica e focadamente uma pergunta:

– Quem descobriu o Brasil?!

A mulher, que tentou avisar sobre a sacola que deixara, respondeu de pronto:

-Pedro Álvares Cabral!

A moça deitada emendou com um misto de doçura e sabedoria:

-Nããão, moça! Fomos nós, mulheres!

Preciso dizer que, ao ver aquilo, abri um sorriso gigante por dentro da minha máscara, em seguida me vieram lágrimas como um golpe de chuva numa tarde ensolarada de verão.

Pelo metrô de SP…

*Certo dia eu estava descendo as escadas do metrô e duas moças, amigas entre si, se alinharam comigo, uma de cada lado e entraram no meu ritmo. Elas não pararam de conversar, mesmo eu estando ali, entre elas. Isso me fez sentir automaticamente a inexistência, a minha insignificância. Mas também me deu uma posição inteiramente nova num diálogo, uma narradora observadora muito de perto, estar no entre, um ângulo inusitado… descemos metade da escada assim. Só não foi bizarro porque foi surreal. Alinhamentos. E desalinhamentos.

*Estava dentro do trem e queria rir. Lembrei de uma amiga que entrou correndo pela porta e sua mochila ficou presa na porta e ela é muito engraçada, numa situação dessas, então…

Só sei que não consegui mais controlar minha cara de nada e comecei a rir. Eu estava sozinha. Parei… tentei parar de rir quando vi as pessoas ao meu redor me olhando. Não queria mais rir, mas ri mais ainda. Incapaz de me conter, comecei a esconder a minha cara. Achei ridículo, perdeu a graça.

INGRITOS NO METRÔ

O metrô de dia de semana, mais claramente de manhã cedo, tem um silêncio de morte. A massa taciturna e ensimesmada segue seu trilho, sua trilha de gado com a cabeça baixa e a boca cerrada.

De sábado é outra história, outro som. As pessoas animadas, acompanhadas de família, amigues, etc, falam alto, riem, gesticulam.

Não há rebanho aos sábados, mesmo tendo bastante gente no metrô.

No sábado há vida porque as pessoas retomam suas vozes, seus sorrisos, suas vidas.

Essa discrepância entre os dias de semana, que representam a morte, o suicídio cotidiano, e o fim de semana, que é o pouco tempo que temos para tentarmos ser nós mesmas, essa contradição não pode ser ignorada, naturalizada.

O som e a atitude das pessoas no metrô são muito sintomáticos da vida tal como está organizada, e das nossas grades invisíveis. A morte vaza pelos buracos dos corpos, o banho pela manhã, a roupa limpa com cheiro de amaciante, o desodorante, nada consegue disfarçar o cheiro da morte que as pessoas emanam com seu silêncio, com os gritos para dentro. Ingritos. 

Generosos amores egoístas

28/02/12 – Hoje eu esperei o ônibus por 50 minutos. Tudo bem, fiquei puta, mas consegui manter o bom humor até quase 40 minutos de espera. Quando o bãs chegou perguntei pro motorista qual era a frequência do ônibus. “Meia em meia hora” – ele disse. Eu retruquei – “nem a pau, esse ônibus passa de meia em meia hora, tô aqui há uma hora (lógico que 50 minutos de espera é uma hora!) e o Edu Chaves, que passa de meia em meia hora, já passou quatro!!”

Daí entrei e tudo, passei na catraca, aquela coisa.

Nisso o motorista vai beeeeem devegarzinho, sem pressa, levando seu bãs e proseando com a bela senhora que estava no primeiro banco, o mais próximo do motorista. Era uma senhora negra, muito elegante, com um ar de tranquilidade, já devia ter bem mais que 60 anos, assim como o motorista.

Até aí, tudo ok, ele era um bom motorista, calmo, prestativo e conversador… ni qui a senhora desceu, ele começou a acelerar! Virou um louco, correu até!

Eu até achei bom, mesmo sendo medrosa, porque queria chegar logo (estava esperando há uma hora…).

Mas como julgar este senhor? Vai que ele espera todo dia (e toda noite) pelos deliciosos 30 minutos (ou 50) que ele passa ao lado daquela elegante senhora?! Vai que o motivo de viver dessa senhora seja aqueles exatos 50 minutos de cada dia…

Mas quando entrei no ônibus, reclamei… eu não sabia dessa história toda. 

Que deselegante!

Estava eu e alguns amigos na rua, madrugada adentro, conversando com uma pessoa em situação de rua. Filosofia, o sentido da vida, coisa fina a conversa que rolava.

De repente passa um carro todo desgovernado, pessoas brigando feio dentro dele. O carro pára. Descem uma moça e um rapaz, muito bem vestidos e brigando muito, gritando, fazendo escândalo, violentos.

A gente ali perto está em choque, olhamos sem saber como reagir, quando nosso amigo em situação de rua exclama:

– Que deselegante!

Metrô – o buraco nosso de cada dia

Se a noção de espaço muda (interfere) na noção de tempo, então quem se desloca no espaço também se desloca no tempo. Quem anda muito de metrô, por estar em um não-espaço, um túnel, sem nenhuma conexão com o lugar correspondente na superfície, quem fica muito neste não-lugar tem um pouco do seu tempo roubado. 


Sim, todos que gastam horas no transporte perdem seu tempo de vida pois o não-lugar, ou a falta de qualquer referência de lugar, faz com que as pequenas coisas que variam na cidade – no sempre mesmo percurso – não sejam vistas, vivenciadas. Mesmo sendo o mesmo caminho todo dia, se você olha para a paisagem, sempre algo diferente vai surgir, e isso dá a noção de vida, de movimento, de tempo. 


Esse preto do túnel tem um preço bem alto, nos custa o tempo, que nunca é nosso. Talvez isso seja um dos motivos das pessoas serem tão ansiosas no metrô. Nas linhas que têm a parte aberta, com o metrô correndo na superfície, é perceptível um suspiro de alívio no ar quando o trem sai no túnel e encontra a luz do sol.

Rir e chorar na cidade fria

No ônibus…

Um moço gordinho, alto e loiro está de joelhos em seu assento para falar por cima dele com dois moços sentados atrás. Os moços são africanos, vendedores de relógios e bijouterias. Eles dão uma atenção paciente ao moço loiro, que toma uma cerveja e come do salgadinhos dos moços. Em uma curva o moço loiro deixa cair sua lata de cerveja, que derrama rapidamente e molha todo o corredor do ônibus. Ele demonstra estar bêbado. Passa a duras penas pela catraca, cabaleando, solto no ônibus em movimento. Cai sobre uma moça que está atrás dele. O frisson causado por ele é grande, alguns temem que ele caia, outros dão risada. O clima é leve, como se os bêbados de bom coração tivessem algum tipo de licença poética, uma colher de chá…

O moço bêbado vai para o fundo e se aquieta. Páro de notar sua presença. De repente ouço um choro dolorido, logo atrás de mim. Um choro agudo, parecia uma moça. O choro vai ficando mais alto e mais sentido. Não sei o que fazer, a passoa parece inconsolável. Me pergunto: “o que terá acontecido? Será que recebeu uma notícia triste? Mas quem daria uma má notícia para alguém assim, no ônibus? Não podia esperar a pessoa chegar em casa? O que eu faço? Levanto? Dou um abraço?” Então, meio sem saber ao certo o que fazer, olho para trás e o que vejo? O bêbado, deitado, ocupando dois assentos, olhando para um celular e chorando, chorando…

Ô vida!

No metrô…

Estação Butantã.

Alguém está gargalhando. Não consigo ver quem é, mas algumas pessoas que já cruzaram com a gargalhona passam por mim sorrindo também, ou rindo. Caminho um pouco mais e vejo: uma moça de shorts curtos e camiseta regata sentada nas escadas. Está muito frio, eu visto duas blusas e temo que terei frio ainda ao longo da noite. A moça está encolhida, sozinha, e ri, ri muito. Pára alguns instantes e logo recomeça a gargalhar. Justo ela, a única pessoa sem agasalho, aquela que, aparentemente não teria nenhum motivo para rir. O que pensar? Que é loucura? Que ela pode, de fato, ter algo muito engraçado em mente? Que é uma performance? Que, com a risada, ela está criando uma fissura no nosso ego aquecido? Que a adrenalina da coragem de rir alto em público a aquece? Essa cidade me confunde…