Nzinga sussurando

Todas queremos saber nosso destino. Queremos que seres divinos nos digam que somos mesmo como todas as outras, só mais uma…

O que é destino quando estamos e somos uma multidão?

Eu sou divinamente igual a todas as outras pessoas, as vejo pelas ruas, o que nos une é o nosso cansaço. Nele nos encontramos. Igualmente exploradas, ainda que de formas e em níveis diferentes. São iguais os corpos, são corpos que se cansam. O brilho oleoso na pele, o suor que não seca, o medo, a vontade de dançar enterrada no corpo – que precisa conseguir seguir vivendo, a vida sonhada (ainda que o sonho seja abstrato, disforme e incompreensível).

De repente, a conversa puxada no ponto de ônibus louva à chuva e agradece à vida, é troca de esperanças, fôlego novo que vem do ar expirado por outra pessoa. Apesar de tudo, temos sim umas às outras. Só o limite nos mostra isso, depois, não tem volta, a esperança se instala, é Nzinga sussurrando: “o que se pode fazer para além de aguentar?”

Oxum, fala comigo?!

Hoje descobri que sou de Oxum. Ela vem me orientando. Fala comigo, Oxum. Vem no meu sonho sussurrar, como um rio que desce pelas pedras. O que se pode fazer? Fala comigo, Oxum, me usa para limpar os rios. Abre os caminhos das minhas ideias. Como posso ser instrumento de proteção e recuperação dos rios da minha terra?


Eu escuto “derrube o capitalismo” sussurrado em meu ouvido desde que me conheço por gente, agora eu sei, é ela…


Mas como, Oxum, como?

O que Simone e Sartre diriam da nossa geração?

O que podemos fazer com uma geração que sabe, que entende as forças que agem, as forças da exploração, da alienação, da manipulação, mas não ousa questionar. Antes! Prefere questionar o próprio conceito de ética, ou coerência, prefere aceitar a incoerência como condição da nossa época.

Uma nova ética parece se estabelecer quando não se pode exigir nada do outro, inclusive coerência. Uma liberdade individual extrema que nada tem de libertária, estando muito mais próxima de um liberalismo. É “livre” pois pode tudo. É a tirania do individualismo.

Será que foi isso que a era da informação nos trouxe?

Uma enorme capacidade de aceitar, de saber, entender… e aceitar.

A crença profunda e sincera de que é possível criar algo novo sem fazer nada de profundamente diferente.

É um novo paradigma. Antes o desafio era que todxs tivessem acesso à informação, aos conhecimentos, à escola, à internet. Agora o desafio é a informação se transformar em ações que construam um mundo vivível para todxs, e não em controle, estagnação, manipulação e fetichismo.

É importante observarmos esse sistema que cultua tanto o individualismo e a liberdade individual em detrimento do coletivo, mas que quando se trata de dar poderes a esse indivíduo esse sistema, na verdade, o destitui completamente de toda a sua força.

O que podemos esperar das bilhões de pessoas que neste exato momento conseguem compreender que o mundo como o conhecemos está acabando mas não se sentem capazes de fazer absolutamente nada para mudar isso? Uma geração que, incapaz de ser coerente, decidiu decretar num novo acordo (subjetivo e não conversado mas estranhamente consensuado), de que a coerência não é mais algo tão importante. Em tempos contraditórios, nossos pensamentos embalados por um inconsciente coletivo nos acalmam dizendo que ser “contraditório” não é mais algo negativo. Mas, qual é o problema em ser contraditório? Em dizer uma coisa e fazer outra? Qual é o problema se uma pessoa não tiver “palavra”? Que que tem de errado a pessoa combinar e não cumprir? Dizer que vai e não ir? Bom… são reflexões que não têm uma resposta pronta, podem, de fato, representar uma liberdade em relação ao excesso de compromissos que temos que assumir ao longo de nossa vida burocratizada. O ponto é que, abrindo mão desses acordos não declarados de que ter “palavra” é importante, tornamo-nos menos confiáveis para xs outrxs, e com isso construímos menos um mundo colaborativo e vivível para todxs pois não podemos contar uns com xs outrxs para sobrevivermos, tornamo-nos ainda mais dependentes do sistema de exploração em que estamos inseridxs.

Eu queria que Simone e Sartre estivessem aqui, o que diriam dessa geração que ama o existencialismo mas o sepulta todos os dias em quase todas as suas ações? Uma enorme, generalizada e grotesca desresponsabilização por nossas ações e comportamentos é o que vivemos hoje.

Se um dia entendemos que somos responsáveis pelo que somos e, por consequência, pelo que o mundo é, e se essa percepção foi potencialmente revolucionária quando veio à tona (pois nos devolvia nosso poder de ação), hoje essa consciência não respresenta nenhuma ameaça ao status quo. De certa forma foi tirado (ou trocado) de cada um de nós, habitantes da Terra, o poder de acreditar que nossas ações, ou o conjunto delas, é que está acabando com o mundo, e que, por consequência, poderá salvá-lo.

Tendo a acreditar que esse poder foi trocado pelos confortos do capitalismo e do individualismo. Em cada produto, em cada comportamento e em cada atitude (ou não-atitude) vem a certeza de uma aprovação, de uma cumplicidade, vem a destituição da responsabilidade individual e, com ela, a destituição do nosso poder de agir. É uma troca forçada e desleal, mas é uma troca. Temos nossa parte nisso.

Essa desresponsabilização é notável em diversos aspectos da vida, desde o descaso com o meio ambiente, até os hábitos alimentares, de socialização, de consumo e o trato com x outrx. Mas me parece que a principal desresponsabilização está em ter informação e não agir, em saber… e aceitar.

Frankstein fascista

Essa noite tive um sonho revelador.


Estávamos no meio de um tiroteio, parecia o Rio de Janeiro (acho que fui influenciada pela intervenção federal militar). Eu tentava levar algumas crianças para algum lugar seguro. Atravessamos o tiroteio e nos abrigamos em uma casa. Tudo era uma grande guerra. Pânico generalizado. Mas eu respirava aliviada porque tinha conseguido entrar em uma casa. Da garagem dessa casa, eis que surge um grande monstro. Um Frankstein. Ele era levado pela mão por um dos nossos. Um grande silêncio se fez. Pavor total. Que nem o Jaspion e todas as séries japonesas, que depois que eles conseguiam matar o inimigo surgia uma versão ainda maior e mais perigosa. O monstro tinha despertado e estava à solta, o exército estava com ele. Foi então que ele veio na minha direção. Ele tinha uma metralhadora. Eu achei que ia morrer, consegui pegar uma vassoura vermelha que estava por perto. Ele veio na minha direção. Fechei os olhos e enfiei com toda a minha força a vassoura no pescoço dele. Nunca imaginei que teria força para isso. Ele não me matou. Não sei se o matei.


Acordei, de novo a realidade da ascensão do fascismo ronda o mundo. Candidatos e governantes assumidamente racistas, homofóbicos, machistas, xenofóbicos inundam as notícias logo pela manhã. 


Minha interpretação do sonho: se algo em mim ainda não estava se conformando com essa realidade tão boçal, agora até minhas camadas mais incoscientes já se deram conta de que é isso mesmo. Lá de dentro, de lugares longínquos da minha mente, veio a única mensagem que ainda faz sentido: é preciso enfrentar, lutar. Eles têm armas, eles têm monstros, mas se eu mirar na jugular, eu terei uma chance.

Revoluciona-Rio

Eu só rio

Se tu, rio,

Não for cenário

Do inferno fundiário

Que te faz acessório

de negócio conspiratório.


É mesmo muito contraditório

Jogar esgoto depredatório

E vir com discurso doutrinário:

“É progresso!” Ai, que delírio!

Só se progresso for martírio.


O nefasto império fundiário

Que faz dinheiro com o território

É perverso e hilário

Faz do nosso imaginário

Um desterro imobiliário

Sobe prédio inglório

Pra encher de funcionário

Que só ganha 2 salário.


Ó maldito latinfundiário

Da cidade, do campo e do cemitério

Você não passa de um mercenário

Um missionário

A serviço de um plano monetário

Que te torne milionário.


Mas você anda solitário

Seu ideal é precário

Te denunciar é necessário!


O rio é um santuário

Ele me torna revolucionário

Me dá até um calafrio

Pensar no mundo sem rio.

A CIDADE DAS CRIANÇAS SELVAGENS

QUANDO AS CRIANÇAS SELVAGENS TOMAREM A CIDADE, 

A PRIMEIRA AÇÃO PARA A VIDA VOLTAR A CORRER LIVRE 

SERÁ A DE DEIXAR TUDO GRÁTIS. 

DINHEIRO NÃO SERVIRÁ PARA ABSOLUTAMENTE NADA 

NA CIDADE DAS CRIANÇAS SELVAGENS.

A SEGUNDA AÇÃO SERÁ LIBERTAR PRESOS E ANIMAIS.

TODOS OS SERES VIVOS TERÃO IGUAL VALOR.

SÓ SERÁ CONVOCADO PARA O TRABALHO 

AQUELE QUE GOSTAR DO QUE FAZ. 

AQUELES QUE SE DIVERTIREM TRABALHANDO 

(E TRABALHAR NÃO TERÁ MAIS ESSE NOME, QUE É QUASE O MESMO QUE CASTIGO) 

O DEVERÃO FAZER SOMENTE QUANDO ESTIVEREM A FIM.

TUDO PODERÁ E DEVERÁ SER TOCADO.

TUDO FICARÁ ABERTO 24H.

NÃO HAVERÁ HORA CERTA PARA NADA. 

TODA HORA SERÁ HORA DE QUALQUER COISA.

NÃO EXISTIRÃO CONVENÇÕES. 

CRIAREMS REGRAS VOLÁTEIS 

QUE COMBINAREMOS ANTES DE CADA BRINCADEIRA. 

ACABADA A BRINCADEIRA 

AS REGRAS PERDERÃO A VALIDADE.

TODAS AS BRIGAS DEVERÃO SER RESOLVIDAS SEM DEMORA E, DE PREFERÊNCIA, SEM AGRESSÕES.

A MALDADE NÃO SERÁ ENSINADA NEM ESTIMULADA, 

A GENEROSIDADE SIM.

PEDIR AJUDA NÃO SERÁ HUMILHANTE, 

AJUDAR NÃO SERÁ UM FAVOR.

NENHUM MEIO DE TRANSPORTE PODERÁ TER VELOCIDADE TAL QUE NÃO CONSIGA PARAR PARA UM CÃO ATRAVESSANDO A RUA OU UMA PESSOA ATRÁS DE UMA BOLA.

NENHUMA PESSOA TERÁ O PODER DE DAR ORDENS A OUTRA PESSOA.

Os barra-vidas

Tudo se organiza para a sobrevivência, só o capitalismo e o Estado é que se organizam para a extinção. 
Eles são barra-vidas. 
Barram estrategicamente todas as nossas formulações de um mundo melhor, para que não encontremos a saída. 
Propõem caminhos que levam a labirintos: consumo, igrejas, padrões, formas de produção material e de subjetividades. 
Nós somos o capitalismo, nosso corpo é seu suporte. 
O capitalismo nos usa, e usa à Terra para existir se manter.
A Terra claramente resiste a ser esse suporte, faz frente como pode, adaptando-se na medida do possível, mas, principalmente, cumprindo seus desígnios e apresentando suas consequências – que parecem querer vomitar o Homem, como um organismo estranho e parasita que trabalha contra o funcionamento harmônico do todo.
Nosso corpo também resiste. Resiste muito. 
Mas para além da resistência para a sobrevivência individual, assim como nosso corpo é vetor de algo maior como o capitalismo, temos que emprestá-lo para a luta.
Para sobrevivermos todxs, e a Terra, não vai bastar nossa resistência individual, precisamos ir além do nosso corpo, temos que nos organizar, ou seja, desenvolvermos órgãos que trabalham em conjunto. Precisamos dessa força ou não sobreviveremos e não sobreviverá a Terra como a conhecemos.
Quem nos barra? Como podemos abrir espaço para que as organizações autônomas possam acontecer? 
Temos que compreender quem nos barra! 
O maior medo de quem barra nossas vidas é que a gente saiba (e muitxs já sabem) que somos nós mesmxs que fazemos tudo funcionar, só que organizadxs por elxs. 
Temos que aprender com quem resiste e faz algo funcionar por si próprix, estxs são xs mais perseguidxs… já pensou se contam para todxs que podemos fazer as coisas funcionarem por nós mesmxs?
Até onde eu entendo o termo “esquerda”, ele pressupõe uma ideologia que luta pelo fim do capitalismo, ou, ao menos, pelo fim daquilo que gera as opressões no mundo, o que é a mesmíssima coisa. 
Mas em relação ao Estado não se entende unanimemente que ele  deve ser combatido como uma entidade que nos oprime. 
Como ainda se pode cogitar a convivência com o Estado se esse nos massacra? 
O Estado é autoritário e violento por natureza, não há ideologia democrática que possa mudar isso.
O Estado é fascista, ora declaradamente, ora disfarçadamente.
Com o fascismo, como dizem, não tem conversa. 
Nós não conseguiremos convencê-los, os poderosos, de nada. Eles têm um projeto e o estão executando.
E nós, qual o nosso projeto?
Disputar esse poder, o Estado, ou criar formas nossas de vivermos sem opressão?
Se ficarmos na diputa pelo poder, já era. Acabou o tempo. Acabou a vida.
Guerras, lutas perdidas, caminhos já conhecidos…
O poder, assim como o capitalismo, não é natural, foi inventado e organizado para se manter.
O Estado é um executor das sentenças do capitalismo.
O Estado teve a sua chance de mostrar à esquerda e ao mundo que pode salvar-nos do capitalismo. Não pode porque o capitalismo e o Estado estão juntos desde sempre. Está mais do que provado que o Estado serve ao capitalismo, ou ao domínio de uns sobre outrxs.
Como pensamos nossa relação com o Estado define todas as estratégias que venhamos a ter.
O Estado divide a esquerda.
O Estado é da direita.