O dia em que beijei uma rosa

Já faz tempo que aconteceu. Eu tinha uma rosa amarela. Eu não a tinha, ela era minha, mas logicamente não me pertencia. Eu a comprei para tomar um banho com ela, receita do caboclo. Mas quando cheguei em casa, fui incapaz de colocá-la na água fervente. Ela era exuberante, tão viva e plena, muito amarela e suave, não poderia ser morta. Decidi esperar ela ir morrendo para fazer o banho, e ir curtindo a cozinha com aquela hóspede tão singela e exuberante. Ela ficou na mesa por um bom tempo e não perdia sua beleza com o tempo. Quando fazia minhas refeições ela me fazia companhia e eu a observava demoradamente e muito admirada. Acho que nos apaixonamos. Além da sua beleza irracional, ela tinha um cheiro suave, doce e delicado. E, sem exageros (porque todos sabem que, em se tratando de uma rosa, nada é exagero), ela era deliciosamente aveludada, acariciá-la levemente era extremamente prazeroso. Um dia, com os dedos perdidos entre as pétalas, senti necessidade de mais sensibilidade. Os dedos têm as pontas com a pele grossa, não são a parte mais sensível do corpo, era preciso tocar com os lábios, que têm a pele mais fina. Toquei, me perdi entre as pétalas. Foi assim que eu e a rosa nos beijamos.

O cheiro das ervas

Abro o forno e em ondas quentes o alecrim, o manjericão e o alho, aquecidos pelo azeite, invadem meu corpo e me trazem uma memória ancestral. Os bosques verde-escuro, as casas de pedra, o fogo. Me lembram do frio e do aquecimento, do acolhimento que o odor da comida dá à minha fome ancestral. E é verdade. Eu como hoje as mesmas plantas que comiam meus ancestrais. O alecrim, o alho… é o mesmo alho! Ou quase? É o mesmo fogo, a mesma batata, o mesmo ser humano que come, no entanto, está tudo diferente. Na estrutura das células mora nossa memória ancestral. No cheiro do alecrim eu percebo que minhas células são antigas, tão antigas quanto a humanidade. 

Hoje vi uma goiabeira em más condições, no meio de um cruzamento, espremida num canteiro apertado, cheia de fuligem e com o cimento impedindo seu crescimento e a absorção de água. Ela, contudo, tinha algumas poucas flores, e se a deixassem em paz ela certamente daria perfeitas goiabas. As mesmas goiabas de sempre. Ou quase.