A dignidade da água

A água escorre na sarjeta

Suja, turva

Noite

Luzes amarelas nos postes

A água reflete a luz

Seu movimento, suas pequenas ondas

Cumprem sua natureza

E, lindamente, refletem a luz amarelada

Apesar do seu maltrato

Sua podridão e tudo de mau

Que ela pode estar levando

Ela lindamente reflete a luz.


A paisagem, uma avenida triste

Com prédios gigantes e novos

Um pronto

E um em construção.

Não fosse a água, tão digna

E a luz do poste

Seria só melancolia.


A água ancestral

A mesma do começo do mundo

Me trouxe um rio de lirismo

E um sopro de alegria

Mesmo que suja e contaminada.

O cheiro das ervas

Abro o forno e em ondas quentes o alecrim, o manjericão e o alho, aquecidos pelo azeite, invadem meu corpo e me trazem uma memória ancestral. Os bosques verde-escuro, as casas de pedra, o fogo. Me lembram do frio e do aquecimento, do acolhimento que o odor da comida dá à minha fome ancestral. E é verdade. Eu como hoje as mesmas plantas que comiam meus ancestrais. O alecrim, o alho… é o mesmo alho! Ou quase? É o mesmo fogo, a mesma batata, o mesmo ser humano que come, no entanto, está tudo diferente. Na estrutura das células mora nossa memória ancestral. No cheiro do alecrim eu percebo que minhas células são antigas, tão antigas quanto a humanidade. 

Hoje vi uma goiabeira em más condições, no meio de um cruzamento, espremida num canteiro apertado, cheia de fuligem e com o cimento impedindo seu crescimento e a absorção de água. Ela, contudo, tinha algumas poucas flores, e se a deixassem em paz ela certamente daria perfeitas goiabas. As mesmas goiabas de sempre. Ou quase.