Eu acabei ficando amiga de um cachorrinho aqui do
meu quarteirão. Ele fica preso na laje de um semi-prédio, um lugar que compra
materiais de reciclagem. Ele fica latindo, não a tarde toda como aqueles
cachorros histéricos, mas ele parece chamar os amigos de tempos em tempos. Eu o
vejo pela janela da lavanderia, que também dá para os fundos do prédio fru-fru
do Instituto dos Arquitetos do Brasil (IAB). Na verdade ele não é fru-fru, ele
é um prédio até antigo e bem bonito, mas o que rola ali é trabalho, e entre
pessoas com camisas pólo e o pequinês da loja que compra latinhas, eu fico com
o dog. Fico? Hoje mesmo eu feri seu coração.
Esqueci de mencionar que há algum tempo a gente vem
conversando. Primeiro eu tentei latir de volta para ele, mas como eu não sei
latir certo, ele parecia irritado comigo (como se eu inventasse um gramelô de
alguma língua e achasse que poderia realmente me comunicar dessa forma com
alguém que fala de verdade essa língua). Nessa época o dog tinha um amigo, mas
ele já não está mais…
Comecei a assobiar, parecia mais digno. Ele late,
eu assobio, e assim trocamos alguns cumprimentos pelas tardes vazias.
Hoje mesmo, estávamos num papo quando os arquitetos
de camisa pólo nos viram. Eles ficaram olhando e eu fiquei sem graça, estava
mesmo me abrindo para o dog. Parei de assobiar. O dog continuou puxando
assunto, mas eu não respondia. Ele dava mais uns latidinhos e parava. Eu
quieta, esperando os arquitetos saírem da janela. Quando fui assobiar de volta
o dog já estava entretido num papo com uma pomba que passava por ali.