Só o lixo prospera

Não paro de sentir saudades do tempo em que o mundo parecia ter futuro.

Tinha esse clima no ar.

Será que era porque eu era criança? Anos 1980, 1990. O país saindo da ditadura…

Os jovens pareciam mais saudáveis.

A Mata Atlântica tinha redutos de preservação. As matas preservadas tinham bichos. O microplástico não estava em toda a água do planeta.

Ainda existia uma ideia de liberdade, ou uma busca por corpos mais livres e leves.

Eu sentia o viver no mundo como se fosse sempre logo depois da chuva. O ar era poluído mas tinha seus momentos de frescor. O poluído ainda assustava.

Hoje o poluído é a regra e o ar puro é que assusta.

Tudo se esvaziou. O presente nada mais é que uma eterna sequência de agoras. Sem passado e sem futuro.

Tem quem ponha filhos no mundo e os crie.

Eu gosto de plantar.

Todas as sementes devem cumprir sua missão na terra, germinar. Mesmo que depois morram. Elas topam.

As sementes não escolhem o melhor lugar. Elas precisam lidar com o fato de que não podem se mover por conta própria. Onde calhar delas caírem, elas nascem. Se der, elas dão!

Isso eu entendo da vida.

Não importa se a vida da gente não é como uma árvore centenária.

Tem milhões e milhões de sementes que nascem e vivem pouco. Morrem jovens. Para elas, valeu. Mais vale viver pouco do que não viver.

Por outro lado…

Se a natureza é perfeita e levou milhões de anos para formar esse corpo fantástico.

Se a natureza é sábia e levou milhões de anos para desenvolver as plantas, os animais, os rios e o ambientes favoráveis à vida.

Por que morrem crianças e jovens?

Por que as árvores não vivem todas por centenas de anos?

Por que quase nada que não seja lixo prospera nesse mundo?

Por que, entre aqueles que vivem e podem seguir vivendo, há tantos que escolhem não viver?

Ingovernáveis

Eu passo naquelas avenidas

Que estão próximas aos rios

Vejo canais de cimento

Vez ou outra

Parece que esqueceram uma pedra.

Que esperança que dá

Daquele rio correr limpo de novo

Fazer seu curso

Lambendo as pedras com carinho.

É novembro

Caem chuvas abundantes

Quero comemorar a chuva

Nossa querida chuva

Mas moro em São Paulo

Aqui, ora a chuva é uma bênção

Ora uma maldição

Que derruba morros

Que alaga bairros

Que deixa pessoas ilhadas, exaustas, famintas.

A chuva, o rio, a água

Não podemos contê-los

Temos que parar de tentar

Controlá-los

É mais fácil e eficaz

Procurar conter

A ganância e o capitalismo.

A água, o rio, a chuva

São ingovernáveis.