Rir e chorar na cidade fria

No ônibus…

Um moço gordinho, alto e loiro está de joelhos em seu assento para falar por cima dele com dois moços sentados atrás. Os moços são africanos, vendedores de relógios e bijouterias. Eles dão uma atenção paciente ao moço loiro, que toma uma cerveja e come do salgadinhos dos moços. Em uma curva o moço loiro deixa cair sua lata de cerveja, que derrama rapidamente e molha todo o corredor do ônibus. Ele demonstra estar bêbado. Passa a duras penas pela catraca, cabaleando, solto no ônibus em movimento. Cai sobre uma moça que está atrás dele. O frisson causado por ele é grande, alguns temem que ele caia, outros dão risada. O clima é leve, como se os bêbados de bom coração tivessem algum tipo de licença poética, uma colher de chá…

O moço bêbado vai para o fundo e se aquieta. Páro de notar sua presença. De repente ouço um choro dolorido, logo atrás de mim. Um choro agudo, parecia uma moça. O choro vai ficando mais alto e mais sentido. Não sei o que fazer, a passoa parece inconsolável. Me pergunto: “o que terá acontecido? Será que recebeu uma notícia triste? Mas quem daria uma má notícia para alguém assim, no ônibus? Não podia esperar a pessoa chegar em casa? O que eu faço? Levanto? Dou um abraço?” Então, meio sem saber ao certo o que fazer, olho para trás e o que vejo? O bêbado, deitado, ocupando dois assentos, olhando para um celular e chorando, chorando…

Ô vida!

No metrô…

Estação Butantã.

Alguém está gargalhando. Não consigo ver quem é, mas algumas pessoas que já cruzaram com a gargalhona passam por mim sorrindo também, ou rindo. Caminho um pouco mais e vejo: uma moça de shorts curtos e camiseta regata sentada nas escadas. Está muito frio, eu visto duas blusas e temo que terei frio ainda ao longo da noite. A moça está encolhida, sozinha, e ri, ri muito. Pára alguns instantes e logo recomeça a gargalhar. Justo ela, a única pessoa sem agasalho, aquela que, aparentemente não teria nenhum motivo para rir. O que pensar? Que é loucura? Que ela pode, de fato, ter algo muito engraçado em mente? Que é uma performance? Que, com a risada, ela está criando uma fissura no nosso ego aquecido? Que a adrenalina da coragem de rir alto em público a aquece? Essa cidade me confunde…