Tamanduateí

Tamanduateí, estás vivo por trás de todo esse lixo, esse desprezo, essas interferências na tua natureza.

ESTÁS VIVO POR TRÁS DE TODA ESSA MORTE.

Te queremos limpo, não desistiremos de você.

Aguenta firme, companheiro!

Nós, humanos, vamos passar, você vai permanecer!

Tamanduateí

TÃO LINDO

TÃO FORTE

TÃO MALTRATADO

Os marginais da sociedade nunca desistiram de você.

As garças e as capivaras nunca desistiram de você.

As plantas consideradas pragas, as ervas daninhas, nunca desistiram de você.

E você nunca desistiu de ninguém, nem de nós, que tanto mal te fizemos.

Silênciofobia

O silêncio foi considerado oficialmente extinto.

Não é encontrado em lugar nenhum da Terra.

Mesmo os que dizem que ele nunca de fato existiu agora consideram que ele não existe mesmo, ou pelo menos, desde o surgimento da energia elétrica.

Há quem lute para preservá-lo, mas são poucos. Apesar de muitos gostarem do silêncio, já o vêem como uma quimera, um sonho inalcansável.

Há aqueles que não o suportam e o perseguem cada dia mais. Um fenômeno crescente nos dias atuais – o ódio ao silêncio.

Nzinga sussurando

Todas queremos saber nosso destino. Queremos que seres divinos nos digam que somos mesmo como todas as outras, só mais uma…

O que é destino quando estamos e somos uma multidão?

Eu sou divinamente igual a todas as outras pessoas, as vejo pelas ruas, o que nos une é o nosso cansaço. Nele nos encontramos. Igualmente exploradas, ainda que de formas e em níveis diferentes. São iguais os corpos, são corpos que se cansam. O brilho oleoso na pele, o suor que não seca, o medo, a vontade de dançar enterrada no corpo – que precisa conseguir seguir vivendo, a vida sonhada (ainda que o sonho seja abstrato, disforme e incompreensível).

De repente, a conversa puxada no ponto de ônibus louva à chuva e agradece à vida, é troca de esperanças, fôlego novo que vem do ar expirado por outra pessoa. Apesar de tudo, temos sim umas às outras. Só o limite nos mostra isso, depois, não tem volta, a esperança se instala, é Nzinga sussurrando: “o que se pode fazer para além de aguentar?”

Ingovernáveis

Eu passo naquelas avenidas

Que estão próximas aos rios

Vejo canais de cimento

Vez ou outra

Parece que esqueceram uma pedra.

Que esperança que dá

Daquele rio correr limpo de novo

Fazer seu curso

Lambendo as pedras com carinho.

É novembro

Caem chuvas abundantes

Quero comemorar a chuva

Nossa querida chuva

Mas moro em São Paulo

Aqui, ora a chuva é uma bênção

Ora uma maldição

Que derruba morros

Que alaga bairros

Que deixa pessoas ilhadas, exaustas, famintas.

A chuva, o rio, a água

Não podemos contê-los

Temos que parar de tentar

Controlá-los

É mais fácil e eficaz

Procurar conter

A ganância e o capitalismo.

A água, o rio, a chuva

São ingovernáveis.