Tamanduateí

Tamanduateí, estás vivo por trás de todo esse lixo, esse desprezo, essas interferências na tua natureza.

ESTÁS VIVO POR TRÁS DE TODA ESSA MORTE.

Te queremos limpo, não desistiremos de você.

Aguenta firme, companheiro!

Nós, humanos, vamos passar, você vai permanecer!

Tamanduateí

TÃO LINDO

TÃO FORTE

TÃO MALTRATADO

Os marginais da sociedade nunca desistiram de você.

As garças e as capivaras nunca desistiram de você.

As plantas consideradas pragas, as ervas daninhas, nunca desistiram de você.

E você nunca desistiu de ninguém, nem de nós, que tanto mal te fizemos.

Ingovernáveis

Eu passo naquelas avenidas

Que estão próximas aos rios

Vejo canais de cimento

Vez ou outra

Parece que esqueceram uma pedra.

Que esperança que dá

Daquele rio correr limpo de novo

Fazer seu curso

Lambendo as pedras com carinho.

É novembro

Caem chuvas abundantes

Quero comemorar a chuva

Nossa querida chuva

Mas moro em São Paulo

Aqui, ora a chuva é uma bênção

Ora uma maldição

Que derruba morros

Que alaga bairros

Que deixa pessoas ilhadas, exaustas, famintas.

A chuva, o rio, a água

Não podemos contê-los

Temos que parar de tentar

Controlá-los

É mais fácil e eficaz

Procurar conter

A ganância e o capitalismo.

A água, o rio, a chuva

São ingovernáveis.

A dignidade da água

A água escorre na sarjeta

Suja, turva

Noite

Luzes amarelas nos postes

A água reflete a luz

Seu movimento, suas pequenas ondas

Cumprem sua natureza

E, lindamente, refletem a luz amarelada

Apesar do seu maltrato

Sua podridão e tudo de mau

Que ela pode estar levando

Ela lindamente reflete a luz.


A paisagem, uma avenida triste

Com prédios gigantes e novos

Um pronto

E um em construção.

Não fosse a água, tão digna

E a luz do poste

Seria só melancolia.


A água ancestral

A mesma do começo do mundo

Me trouxe um rio de lirismo

E um sopro de alegria

Mesmo que suja e contaminada.

Gotas de amor

Sem um amor romântico

Sem um outro ter seu centro em mim

Sem eu ter meu centro num outro

Eu tomo gotas de amor que caem por aí

De pessoas desavisadas que me sorriem na rua

de crianças cheias de vontade

de ventos

de galhos de árvores que me fazem um carinho acidental

do chuveiro quentinho.

Na casa dos meus pais

o amor é servido em baldes

Entre os amigos o amor cai em gotas de garoa. Sereno amor.

No fim do dia

o amor está no meu odor

nas gotas de suor

o amor que dedico a mim

brota do meu trabalho.

Nosso acccordo

Eu não perdôo

E guardo rancor

De quem,

Estando em posição de lutar,

E tendo condições para isso,

Recua e não age

Não se responsabilizando

pelo mundo em que nasceu.


O que nos deixou tão insensíveis?

Quando exatamente ficamos assim?


Deve ter sido quando firmamos

um acordo irrevogável com 

o comodismo,

o conformismo 

o confortismo.


QUAL SERÁ A DANÇA DO FIM DO MUNDO?

O SAMBA DOS HELICÓPTEROS?

O XOTE DO CHICOTE?

O FUNK DAS METRALHADORAS?

Todos tocando ao mesmo tempo

no volume máximo!

Damnant speculatores

Malditos sejam os especuladores imobiliários

Porque eles criam os infernos das nossas cidades!

Malditos sejam aqueles que transformam a terra em mercadoria

Porque essa mercadoria também há de comê-los!

Malditos sejam os que negam teto ao desabrigado

Porque, para eles, não haverá abrigo em nenhum coração!

Malditos sejam os que apagam histórias

Porque suas histórias também serão apagadas!

Malditos sejam os que destróem nossa paisagem

Porque, da nossa paisagem, eles serão destruídos!

Malditos sejam os que arrombam a terra com máquinas

Porque, quando cavam, estão se aproximando do inferno!

Amaldiçoados sejam todos aqueles que fazem do trabalho humano e da terra seu lucro

Porque o lucro irá corroê-los e deixá-los sem alma.

impoTEMPOtência

O tempo é um milagre

Só nele eu tenho fé

O tempo passa e isso é certo

O resto é ilusão

Tentativas de eternizar

o efêmero que é insuportável.

O certo é o insuportável

Só nele eu tenho fé

Ele gera o movimento

Que dá algum sentido ao tempo

Para que ele não corra sozinho

Escancarando sem resistência

Quão sem sentido

É a existência.

14 vezes NÃO

Não falar por sentenças

Não buscar sempre e em tudo a verdade maior

Não ter certeza e certezas

Apenas estar e ouvir

Deixar que uma nova verdade surja

A cada momento

E a cada encontro.

Deixar silenciar se não houver mais o que dizer

Deixar silenciar se as palavras não forem suficientes

Não há ansiedade

Não há obrigação

Não há certo e nem errado

Não há nada – tudo está latente.

Não inventar – compartilhar

Não forjar – fomentar

Não forçar – fluir

Não amar – sentir

Não falar – ouvir

Não acertar – jogar.

Perfeição

O que me faz pensar que posso atingir a perfeição? Por que, aliás, eu a desejaria, se no fim ela está acabada e só o que existe é o movimento? Não existem, por acaso, pretensões mais nobres e menos tediosas do que atingir esse estado que não existe? E o gosto amargo do erro? Como posso pensar que sou capaz de fugir dele? Posso gostar desse amargo como aprendi a tomar café sem açúcar. Posso me expor ao erro e ao olhar do outro, porque assim serei menos ridícula do que tentando a perfeição. Não há defesas garantidas, não se pode ter preguiça da luta diária. E o acaso é tão íntegro que cumpre seu papel sem se importar com as formalidades sociais.      O acaso existe, a perfeição não.

Revoluciona-Rio

Eu só rio

Se tu, rio,

Não for cenário

Do inferno fundiário

Que te faz acessório

de negócio conspiratório.


É mesmo muito contraditório

Jogar esgoto depredatório

E vir com discurso doutrinário:

“É progresso!” Ai, que delírio!

Só se progresso for martírio.


O nefasto império fundiário

Que faz dinheiro com o território

É perverso e hilário

Faz do nosso imaginário

Um desterro imobiliário

Sobe prédio inglório

Pra encher de funcionário

Que só ganha 2 salário.


Ó maldito latinfundiário

Da cidade, do campo e do cemitério

Você não passa de um mercenário

Um missionário

A serviço de um plano monetário

Que te torne milionário.


Mas você anda solitário

Seu ideal é precário

Te denunciar é necessário!


O rio é um santuário

Ele me torna revolucionário

Me dá até um calafrio

Pensar no mundo sem rio.